segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Saber Calar

Ouvindo muita gente falar demais por não ter nada a dizer, inclusive nas redes sociais, lembrei de um artigo do Ivo Lima, que compartilho aqui com todos.



Saber Calar
Ivo Lima

“Suponho aqui que, para bem calar não basta fechar a boca e não falar, mas é preciso saber governar a língua, considerar os momentos convenientes para retê-la ou dar-lhe liberdade moderada.”

Abade Dinouart, A Arte de Calar

         Vivemos em um mundo adornado por discursos falaciosos, onde quem detém o poder da fala grita mais alto, usa argumentos sofisticados e ardilosos para atingir os ouvintes e convencê-los, custe o que custar.
         É nessa dinâmica de falas jogadas aos quatro ventos que muita gente dispara seus discursos afinados, mas de conteúdo oco, porque são desprovidos de verdade e repleto de ingredientes que geram desavenças.

         Diante dos apelos constantes para que falemos o tempo todo, mesmo que seja para importunar os ouvidos alheios com pilhérias, é importante que coloquemos freio em nossa língua afiada, para evitar estragos em nossas relações.

         É nessa hora que devemos resistir bravamente à tentação de falar a esmo, feito papagaio tagarela, que não faz outra coisa a não ser repetir as palavras decoradas que aprendeu, quando não, para disparar jatos venenosos sobre os semelhantes.

         Mas calar por quê? Para quê?

         A todo momento em nossas vidas, temos a oportunidade de falar até pelos cotovelos, e calar pouco, sem, muitas vezes, nos preocuparmos com o teor de nossa fala; e aí, haja ouvidos para suportar tantas conversas sem conteúdo.

         Portanto, para calar, primeiro precisamos aprender a dominar nossa língua, porque, se descuidarmos, ela despeja palavras malígnas que cortam feito navalha.

         Mas, diante das circunstâncias, saber falar ou calar na hora certa não é algo tão simples que aprendemos num estalar de dedos. É um desafio que requer um exercício permanente, porque exige conhecimento da realidade em que estamos inseridos; é necessário agir com sensibilidade, bom senso, preocupação, por causa das consequências que uma fala mal proferida pode acarretar para nós e para os outros.

         Então, a partir do exercício, é que vamos aprendendo a nos calar. Em contrapartida, passamos a falar menos e com melhor qualidade, o que significa dizer aquilo que realmente interessa.


         Dessa forma, gastamos menos saliva com falas vazias e intediantes, que, às vezes, podem semear aborrecimentos e intrigas entre pessoas.

         Falar o que é proveitoso nos resguarda de cairmos nas armadilhas das conversas indevidas, que em nada contribuem e ainda causam problemas; mas, se houver uma vigilância em nossos pronunciamentos, evitaremos muitas coisas desagradáveis.

         Se nos preocuparmos em falar o que de fato interessa a nós e vai ser bom para o outro, agiremos com sensatez, tornando-nos pessoas mais interessantes e, consequentemente, mais felizes.

         Oxalá que nossas falas sejam proveitosas, uma fonte que jorra a verdade, a justiça e o bem para nós e para os outros.

         Se estamos dispostos a apostar nessa empreitada, só o tempo irá dizer, porque “o silêncio é necessário em muitas ocasiões, mas é preciso sempre ser sincero; podem reter alguns pensamentos, mas não se deve camuflar nenhum. Há maneiras de calar sem fechar o coração; de ser discreto sem ser sombrio e taciturno; de ocultar algumas verdades sem as cobrir de mentiras”, recomenda o Abade Dinouart.

artigo publicado na seção “Opinião”, do Jornal Correio Popular de Campinas, em 20/10/2006
Ivo Lima é escritor e professor de Filosofia

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