quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Carta do Mestre João ao Rei D. Manuel sobre o Cruzeiro do Sul

Assim como fiz com A Carta de Pero Vaz de Caminha, venho aqui compartilhar outro documento de igual importância, mas não tão conhecido. Trata-se de um comunicado enviado ao Rei D. Manuel, datado de 1º de maio de 1500, informando sobre as circunstâncias acerca do “descobrimento”. O documento que ficou conhecido como A Carta do Mestre João foi escrita pelo espanhol João Faras ou João Emeneslau, que era cosmógrafo a serviço do rei.


É através desta carta que o desenho da constelação Cruzeiro do Sul é apresentado pela primeira vez, tornando-se algo de extrema importância para os exploradores portugueses. Um ponto de referência celeste para a navegação astronômica.

Outro fato importante que temos através desta carta é que esta terra já era de conhecimento dos portugueses, inclusive já mapeada, pois a cita geograficamente. Segue o trecho da carta que nos confirma isto:
Quanto, senhor, ao sítio desta terra mande vossa alteza trazer um mapa-múndi que tem Pêro Vaz Bisagudo e por aí poderá ver vossa alteza o sítio desta terra; porém aquele mapa-múndi não certifica esta terra ser habitada ou não; é mapa-múndi antigo e ali achará vossa alteza escrita também a Mina.
A carta ficou conhecida somente no século XIX, quando descoberta pelo historiador Francisco Adolfo de Varnhagen e publicada pela primeira vez na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

O documento é composto de três folhas, sendo duas páginas com a carta propriamente dita, em folhas separadas, e uma terceira apenas com caligrafia mais atual com fins de catalogação. O original da carta encontra-se no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa, Portugal. Abaixo coloco a cópia de todas as páginas com a transcrição contemporânea (para uma versão mais definida do documento é só clicar nas imagens), mas quem quiser pode ter acesso ao documento original da Torre do Tombo em http://digitarq.dgarq.gov.pt/details?id=3813442. Quem quiser ver a transcrição paleográfica (exatamente como está no documento) vá em http://antt.dgarq.gov.pt/files/2010/11/Carta-Mestre-João-transcrição-paleo.pdf

Página 1

Senhor:

O bacharel mestre João, físico e cirurgião de vossa alteza, beijo vossas reais mãos.

Senhor: porque de tudo o cá passado largamente escreveram a vossa alteza, assim Aires Correa como todos os outros, somente escreverei (sobre) dois pontos.

Senhor: ontem, segunda-feira, que foram 27 de Abril, descemos em terra, eu, e o piloto do capitão-mor e o piloto de Sancho de Tovar e tomámos a altura do sol ao meio-dia e achámos 56 graus, e a sombra era setentrional, pelo qual, segundo as regras do astrolábio, julgamos ser afastados da equinocial por 17graus e por conseguinte ter a altura do Polo Antárctico em 17 graus, segundo é manifesto na esfera. E isto é quanto a um (dos pontos), pelo qual saberá vossa alteza que todos os pilotos, vão adiante de mim em tanto, que Pêro Escolar vai adiante 150 léguas, e outros mais, e outros menos, pero quem disse a verdade não se pode certificar, até que em boa hora cheguemos ao cabo de Boa Esperança e ali saberemos quem vai mais certo: eles com a carta, ou eu com a carta e com o astrolábio.

Quanto, senhor, ao sítio desta terra mande vossa alteza trazer um mapa-múndi que tem Pêro Vaz Bisagudo e por aí poderá ver vossa alteza o sítio desta terra; porém aquele mapa-múndi não certifica esta terra ser habitada ou não; é mapa-múndi antigo e ali achará vossa alteza escrita também a Mina.

Ontem quase entendemos por acenos que esta era ilha, e que eram quatro, e que de outra ilha vêm aqui almadias a pelejar com eles e os levam cativos.

Quanto, senhor, ao outro ponto, saberá vossa alteza, que acerca das estrelas, eu tenho trabalhado algo do que pude sobre isso, pero não muito, por causa de uma perna que tenho mui má, que de uma coçadura se me fez uma chaga maior que a palma da mão; e também por causa de este navio ser muito pequeno e mui carregado, que não há lugar pera cousa nenhuma.

Somente mando a vossa alteza como estão situadas as estrelas dele. Pero em que grau está cada uma, não o pude saber, antes me parece ser impossível no mar tomar-se altura de nenhuma estrela, porque eu trabalhei muito nisso e, por pouco que o navio balance, se erram quatro ou cinco graus, de guisa que se não pode fazer senão em terra.

Página 2

E outro tanto quase digo das tábuas da Índia, que se não podem tomar com elas senão com muitíssimo trabalho, que, se vossa alteza soubesse como desconcertavam todos nas polegadas, riria disso mais que do astrolábio, porque desde Lisboa, até às Canárias uns dos outros desconcertavam em muitas polegadas, que uns diziam, mais que outros, três e quatro polegadas, e outro tanto desde as Canárias até às ilhas de Cabo Verde, e isto resguardando todos que o tomar fosse a uma mesma hora, de guisa que mais julgavam quantas polegadas eram pela quantidade do caminho que lhes parecia que haviam andado, que não o caminho pelas polegadas Tornando, senhor, ao propósito, estas Guardas nunca se escondem, antes sempre andam em derredor sobre o horizonte, e ainda isto duvidoso, que não sei qual de aquelas duas mais baixas seja o Pólo Antárctico; e estas estrelas, principalmente as da Cruz, são grandes, quase como as do Carro; e a estrela do Pólo Antárctico, o Sul, é pequena como a do Norte e mui clara, e a estrela que está em riba de toda a Cruz é muito pequena.

Não quero mais alargar, por não importunar a vossa alteza, salvo que fico rogando a Nosso Senhor Jesu Cristo a vida e estado de vossa alteza acrescente como vossa alteza deseja.

Feita em Vera Cruz, o primeiro de Maio de (1)500.

Pera o mar, melhor é reger-se pela altura do sol, que não por nenhuma estrela, e melhor com astrolábio, que não com quadrante, nem com outro nenhum instrumento.

Do criado de vossa alteza e vosso leal servidor

João

Bacharel em Artes e Medicina.

Página 3












Página 4



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